Fit and Proper: Pilar de Confiança no Governo Corporativo das Instiuições Financeiras
A credibilidade e a sustentabilidade do setor financeiro dependem, em grande medida, da qualidade das pessoas que o dirigem. Nesse contexto, o conceito de Fit and Proper surge como um mecanismo essencial de avaliação da idoneidade e competência dos membros dos órgãos sociais das instituições financeiras. Este conceito, com raízes regulamentares europeias, é um instrumento de Corporate Governance que visa reforçar a estabilidade do sistema financeiro, prevenindo riscos derivados de má gestão e conflitos de interesse.
Origem e Evolução do Conceito Fit and Proper
O conceito Fit and Proper foi formalmente reforçado pela Diretiva 2013/36/UE, aprovada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, em resposta à crise financeira de 2008. Esta diretiva estabelece critérios qualitativos para a avaliação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização de instituições de crédito e empresas de investimento.
A avaliação Fit diz respeito à qualificação técnica, incluindo formação académica, experiência profissional e capacidade para cumprir com as responsabilidades do cargo. Já a avaliação Proper refere-se à idoneidade, integridade e independência pessoal, garantindo que os administradores tenham conduta ética e isenta de conflitos de interesse.
A importância do Fit and Proper
A necessidade de avaliar a idoneidade e competência dos administradores surgiu da constatação de falhas graves no governo de instituições financeiras, onde práticas arriscadas e remunerações desalinhadas com a sustentabilidade de longo prazo contribuíram para a instabilidade financeira global. A aplicação do Fit and Proper tem como objetivo:
- Promover uma cultura de gestão prudente e responsável;
- Reforçar a resiliência das instituições perante riscos financeiros;
- Proteger os interesses dos stakeholders, em especial dos depositantes;
- Evitar a repetição de práticas que conduzam à instabilidade sistémica.
Quem Avalia e Como?
O processo é partilhado entre três entidades:
- A própria instituição financeira, que tem o dever de fazer uma primeira análise detalhada dos candidatos;
- A autoridade nacional de supervisão, como o Banco de Portugal;
- O Banco Central Europeu, nos casos em que este tem competência.
O processo inclui o preenchimento de um extenso questionário de idoneidade, no qual o interessado responde, sob compromisso de honra, a questões sobre:
- Envolvimento em processos judiciais (mesmo em curso);
- Condutas passadas com reguladores e autoridades;
- Situações de falência, insolvência ou incumprimento;
- Suspeitas de branqueamento de capitais ou financiamento ao terrorismo;
- Inclusão em listas de devedores duvidosos.
A instituição deve avaliar e justificar, mesmo quando existem respostas negativas, os motivos pelos quais considera o candidato adequado.
Requisitos Avaliados
A verificação do perfil de um administrador ou fiscal envolve critérios cumulativos:
- Idoneidade pessoal: sem antecedentes criminais ou condutas duvidosas;
- Qualificação e experiência profissional: formação adequada e vivência prática;
- Independência: sem vínculos que comprometam a imparcialidade de decisões;
- Disponibilidade: tempo suficiente para o desempenho responsável das funções.
No critério da independência, por exemplo, são avaliadas relações profissionais ou familiares com o banco, acionistas ou outros membros do board, assim como cargos passados que possam gerar conflitos.
Avaliação Coletiva do Órgão (Board Collective Suitability)
Para além da adequação individual, os reguladores exigem que as instituições financeiras avaliem a composição e adequação coletiva dos seus órgãos de administração e fiscalização:
Deve existir uma diversidade de competências, cobrindo áreas como auditoria, gestão de risco, IT, finanças, ESG, entre outras.
A composição deve refletir também diversidade de género, idade e experiências, reforçando a pluralidade de visões e a robustez das decisões.
Esta avaliação é particularmente relevante em instituições significativas, sendo frequentemente monitorizada pelos supervisores europeus.
Este enfoque coletivo reforça a responsabilidade partilhada na supervisão e tomada de decisões estratégicas, aproximando-se das melhores práticas internacionais em Corporate Governance.
Requisitos de Formação Contínua
A adequação dos membros dos boards não é um estado estático, mas sim um processo contínuo. As instituições devem promover formação contínua, assegurando que os administradores acompanham a evolução do setor financeiro, da regulação e dos riscos emergentes (cibersegurança, IA, finanças sustentáveis).
A ausência deste investimento formativo pode ser interpretada pelas autoridades como uma falha de governance, especialmente em áreas críticas sujeitas a rápida transformação.
A formação contínua sustenta a capacidade de decisão informada e prudente, um dos pilares centrais da avaliação Fit and Proper.
Articulação com o Internal Governance Framework
O Fit and Proper está intimamente ligado ao modelo de Governance interna da instituição. A instituição deve dispor de uma política formal de nomeação e avaliação de membros do board, devidamente aprovada e auditada.
Essa política deve articular-se com outros pilares de controlo, como o ICAAP/ILAAP, gestão de conflitos de interesse, política de remuneração, e modelo das três linhas de defesa.
Em muitas entidades, esta responsabilidade é delegada ao Comité de Nomeações, que assume um papel ativo no escrutínio das nomeações e avaliações periódicas. Esta articulação entre F&P e governance interno assegura a integração plena entre liderança, risco e compliance.
Integração com ESG e Sustentabilidade
O conceito de Fit and Proper tem vindo a evoluir, acompanhando a crescente importância da sustentabilidade e responsabilidade corporativa. Os reguladores esperam que os boards incorporem competências em ESG (Environmental, Social and Governance), assegurando decisões que alinhem performance financeira com impacto social e ambiental.
O conhecimento sobre riscos climáticos, finanças verdes, relatórios CSRD/SFDR e dever fiduciário ambiental está a tornar-se cada vez mais valorizado nos processos de avaliação.
Esta evolução reforça o papel do Fit and Proper como instrumento de accountability ética e estratégica, num setor em transformação.
Fit and Proper como Instrumento de Corporate Governance
O Fit and Proper é mais do que um simples requisito legal — é um pilar fundamental do governo societário das instituições financeiras. Ele garante:
- A conformidade com normas éticas e regulamentares;
- A qualidade das decisões estratégicas e da supervisão;
- A confiança do mercado e dos investidores;
- A proteção do bem coletivo representado pela saúde financeira da instituição.
O conceito de Fit and Proper é hoje um dos instrumentos mais robustos para assegurar que os boards das instituições financeiras atuam com responsabilidade, competência e integridade.
Contudo, a sua relevância não se esgota na verificação formal de um candidato: ela é um mecanismo vivo de Governance, integrado nos sistemas de controlo interno, cultura de risco, supervisão prudencial e sustentabilidade.
Em tempos de crescente complexidade e globalização financeira, torna-se vital que tanto as instituições quanto os supervisores estejam à altura dos desafios, dispondo de pessoas preparadas para a tomada de decisões informadas e responsáveis.
Desafios Atuais e Caminhos Futuros
Apesar do enquadramento legal existente, o sucesso do Fit and Proper depende da qualidade da sua aplicação prática. Algumas questões emergentes incluem:
- Uniformização de critérios entre jurisdições;
- Avaliação contínua e não apenas na nomeação;
- Sensibilidade aos riscos ESG e tecnológicos emergentes.
A adoção de práticas rigorosas de Fit and Proper fortalece o governo corporativo, contribuindo para instituições mais sólidas, transparentes e comprometidas com o interesse público.